domingo, 2 de dezembro de 2012
terça-feira, 27 de novembro de 2012
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
Passou a fazer parte da minha vida!
Keila Faria - Voluntária
Foi participando de um
programa de apadrinhamento de crianças institucionalizadas que cheguei ao Vida Positiva, que desde então passou a fazer parte da minha vida!
Conheço muitas casas de acolhimento, mas a dedicação da Vicky (Presidente da ONG)
me tocou muito e mudou meu modo de ver as pessoas.
Um lar! Foi isso o que eu encontrei nesse lugar. A
rotina lembra muito a de qualquer família, só que em proporções bem maiores.
Contas a pagar, funcionários, comida, escola, boletim, dever de casa... Sem
falar no fantasma do preconceito. Todos esses desafios diários são enfrentados
com muita dedicação, trabalho e amor de uma pessoa que deixou sua vida para
dedicá-la aos portadores do HIV ou aos seus familiares.
Nunca imaginei que o preconceito com o portador desse
vírus, ainda fosse algo tão forte, em um mundo moderno e cheio de informações.
Só depois de conhecer as histórias dessas crianças e adolescentes e ver o modo
corajoso com que a Vicky luta contra isso é que percebi que essa é
uma luta que só esta começando.
Foi no Vida Positiva que comi o melhor feijão e a melhor
farofa do mundo e ainda descobri que o amor nunca é demais!
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
Muitas vezes o preconceito começa na família!
Vicky Tavares
A mãe
faleceu de HIV e em seguida a garotinha de 3 anos começou a adoecer. Uma
pneumonia atrás da outra. Fizeram os exames e foi constatado o vírus HIV.
Imediatamente a família separou talheres, pratos, roupas de cama e a isolaram
em um cômodo da casa. Praticamente vivia no hospital acometida de doenças
oportunistas.
Quando
voltava para casa dormia em uma esponja. A cama que ganhou de
presente ficou para a irmã. Ninguém se importava com ela. Pensavam: “Vai
morrer mesmo!”.
Quando eu a
conheci ela tinha 9 anos. Não aceitava ninguém. Devolvia na mesma moeda. Foi à conquista
mais difícil da minha vida. Tirei-a da casa onde morava e fiz um trabalho de
muito amor com ela.
Hoje está
com 19 anos, linda, maravilhosa, carga viral zerada, CD 4 alto e é minha grande
amiga! Não conta para ninguém sobre o HIV. Visita raramente a família. Está
envolvida em um verdadeiro laço de amor, onde se abraça, se beija e se respeita
as diferenças.
quinta-feira, 8 de novembro de 2012
Minha Garotinha
Vicky Tavares
Quando ela foi morar comigo estava muito
feliz! Não cabia em si de tanta felicidade e tudo era novidade. Logo, fui
matriculá-la no colégio ao lado de meu bloco. Ela não via a hora de
começar. Passou dezembro, janeiro e fevereiro contando os dias para as
aulas começarem.
Uniforme novo, mochila nova, estojo,
lápis, cadernos, agenda, enfim... Estava muito alegre e não escondia isso de
ninguém! Tinha encontrado uma família para adotá-la e agora queria abraçar o
mundo com as mãos. Estava se considerando uma pessoa muito importante!
Eu fazia questão de dizer e demonstrar
também minha alegria em tê-la comigo. Seu quarto foi todo decorado com
tudo que ela gostava. Até a cor foi escolha dela. Na instituição era calada,
mas depois virou uma tagarela! Nos primeiros dias ela ia toda feliz para a aula,
depois começou a reclamar, imaginei que não estava gostando de estudar.
Só que o tempo foi passando e minha
menininha estava cada dia mais deprimida. Pedi à motorista que chegasse minutos
antes do acostumado e que a observasse. Foi aí que fiquei chocada. Minha filha
ficava no pátio isolada de todas as outras crianças.
Quando eu a deixava no colégio, sentia
que a senhora que ficava na portaria me olhava com curiosidade e não respondia
ao meu cumprimento. Todo dia vinha reclamação dela. Fiquei assustada porque a
menina que eu tinha adotado não era mais a mesma.
Foi então que caiu a ficha e perguntei:
- Filha, você contou na escola que tinha o vírus HIV? Ela então me respondeu: -
Contei mamãe, mas depois que contei todos ficaram tristes comigo. Então
falei: - Querida não devemos contar nossa vida particular para ninguém.
Fui para casa arrasada! Chorei a noite
toda.
Resolvi procurar a diretora da escola para comentar o que eu já vinha
observando. Ela foi super mal educada e quis disfarçar. Alertei então, que
tomasse cuidado porque ela era preconceituosa e abusada. Saí de lá muito mal.
No outro dia fui visitar uma outra
escola e pedi a transferência dela. Atualmente, ela estuda com
pessoas que a respeitam e que tem muito carinho por ela. Não comenta mais nada
sobre sua sorologia e quer ser amada como todos nós!
sexta-feira, 2 de novembro de 2012
Vó, vou preferir entregá-lo nas mãos de Deus.
Vicky
Tavares
Acompanhei muitos casos de discriminação desde que passei
a me dedicar aos portadores do vírus HIV. Conto aqui no blog as histórias desses cidadãos que
tanto sofrem com o preconceito. Antes de mais nada, a palavra de ordem é:
respeito!
Ele tinha 11 anos e frequentava a escola como
qualquer outro garoto da mesma idade. Dócil, inteligente e muito brincalhão...
Já nasceu com o vírus. Foi infectado por transmissão vertical, de mãe para
filho. Sempre acometido de doenças oportunistas, teve uma otite que se tornou
crônica. Hoje aguarda cirurgia para costurar os tímpanos que se romperam.
A escola pública de Taguatinga tinha conhecimento da
sorologia das crianças e adolescentes do Vida Positiva. Na época colocamos
adesivos referentes à Casa no carro da Instituição e não poderíamos imaginar
quanto transtorno isso causaria e quanto preconceito teríamos que assistir.
Ele, que gostava de brincar no recreio e na saída da
escola com os amigos, um dia se surpreendeu enquanto se divertia com uma
de suas coleguinhas: foi avisado que o pai da menina não o queria por perto
dela. Mas se esqueceu do aviso e um dia quando estava no pátio foi
surpreendido pelo pai da garota que, batendo nele, gritava para que ele se
afastasse da menina. Foi uma situação bastante constrangedora.
A diretora da escola me chamou para conversar. Muito
preocupada com a reputação da escola, me comunicou o ocorrido. Levei nosso
menino para casa – que, àquela altura, chorava de soluçar. Em busca de uma
solução, perguntei: “Meu filho, você quer que eu denuncie o que aconteceu?”, e
para minha surpresa ele respondeu: “Vó, vou preferir entregá-lo nas mãos de
Deus, com certeza vai ser melhor.”
sexta-feira, 19 de outubro de 2012
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
quarta-feira, 23 de maio de 2012
Bola na Rede
Vicky
Tavares
Já
está escrito nas estrelas que ele vai ser jogador de futebol. A minha torcida é
apenas contra as drogas. Ele tem nome de Papa, ela muito linda, cabelos como os
da Vanessa da Mata. Ele se livrou do vírus HIV, ela não teve a mesma sorte.
Quando
chegaram choravam muito. O Conselho Tutelar tinha recebido reclamação dos maus
tratos sofridos pelos menores. A mãe colocava-os para trabalhar como
pedintes. A garotinha com HIV estava bastante debilitada. Era uma criança
assustada. A impressão que tínhamos é que era maltratada.
Foi
confirmado, no dia que a mãe foi visitá-la. Depois que ela saiu olhei para a
mão da minha amiguinha e lá estava a marca de um beliscão. Fiquei chocada!
Assim... do nada. O menino ela tratava bem. Muitas vezes o preconceito começa
na família e continua na sociedade que às vezes chega a requintes de
crueldade.
Fiquei
com um pé atrás com a mãe, em outra visita queimou com cigarro o braço dela.
Imediatamente proibi a visita deles (da mãe e do padrasto), mas eles nem
insistiram. Estavam visitando no intuito de pegar a guarda de novo para usá-los
nas ruas. Logo sumiram e nem quiseram mais saber da existência das crianças.
Só
quem procurava era a avó paterna. Ligava, preocupada com os meninos. Ficamos
amigas e conversávamos muito. Então falei para ela procurar a VIJ para
tentar a guarda dos infantes. Enquanto não acontecia, ela vinha de
Goiânia para ficar com eles. Hospedava-se na instituição. Uma vovó muito
querida!
Nossa
Vanessa da Mata era extrovertida, tinha um belo sorriso, e não dava trabalho
para tomar o coquetel. Seus olhos brilhavam quando me via, tínhamos uma relação
muito amável, procurava ser muito carinhosa com ela porque sua relação com as
pessoas era de medo.
Com o
tempo de convivência ela foi adquirindo confiança e foi se
soltando mais e mais. Ficou mais carinhosa e tinha muita paciência com o
nosso Papa que pulava o dia todo. Não podia ver uma bola que enlouquecia e
como jogava! Era corajoso, passava por todo mundo não
importava o tamanho e sapecava na rede e saía gritando Gollllll!. Protegia a
irmã mesmo sendo mais novo que ela dois anos. Brigava com todo mundo para
defendê-la. Não entendia nada sobre o vírus mas sabia que ela precisava de
cuidados maiores do que os dele.
Chegou
o dia que a guarda saiu para a avó paterna e ela veio toda feliz buscá-los. Ainda
ficou o final de semana conosco. Eu como sempre dividida, feliz porque eles
teriam um lar e triste porque sentiria a falta deles. E como senti!
Durante alguns meses vinham nos visitar, passar finais de semana, mas o
tempo, que se encarrega de muitas coisas e uma delas é de colocar as coisas
no seu devido lugar, tomou suas providências. Não vieram mais nos visitar,
de vez em quando a vovó me liga para dar notícias.
Eles
estão bem. Ele jogando muita bola e ela continua fazendo o tratamento antirretroviral.
Também está escrito nas estrelas que ela será muito feliz e viverá por muitos e
muitos anos.
quarta-feira, 16 de maio de 2012
Minha Filha
Vicky Tavares
Tinha apenas quatro meses quando fui
buscá-la. Pela primeira vez vi um bebe tomando coquetel. Era muito magrinha, a
cabeça enorme, não se mexia como uma criança normal e respirava com
dificuldade. Os olhinhos eram negros e caídos e o rosto com
expressão de dor e sofrimento. Notava-se que vivia deitada, a parte de trás cabeça
estava bem achatada.
Foi entregue a uma instituição na
cidade de Osfaia em Luziânia pelo Conselho Tutelar de lá. Na certidão existia apenas
o nome da mãe. Vim com ela no colo no carro da nossa instituição. Tinha
muita fome. Assim que cheguei
preparamos uma mamadeira. Ela mamou com dificuldade. Observei que não
tomava os remédios nos horários certos.
Uma semana depois tivemos que
interná-la com pneumonia aguda. No hospital eu via as enfermeiras com
carinhas tristes ao olhar para aquela menininha. Perguntei - É um caso grave
né? E me respondiam que sim. Ela estava muito fraquinha e não conseguia comer. Tomava
apenas soro.
No primeiro dia fiquei lá
ao lado do berço olhando para ela e pedindo a Deus pela aquela vida.
No entanto ela não reagia. Segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto dia,
nada... Continuava imóvel e eu não saía de lá. Assim que tinha
oportunidade corria para o hospital para ficar ao lado dela.
Achei então que deveria conversar com
ela e comecei. Fazia declarações de amor, beijava e a abraçava com todo
o meu carinho. Chegamos ao décimo dia de internação. Neste dia bem
cedinho, quando olhei para ela, ela esboçou um sorriso. Pensei, meu
Deus ela já me reconhece! Fiquei muito feliz. Fui até a cozinha do hospital e
fiz um mingau bem gostoso, com a certeza que tinha conquistado aquele
coraçãozinho.
Não deu outra, ela tomou tudinho.
Saímos do hospital apaixonadas uma pela outra. Já não tinha mais jeito estávamos
envolvidas demais. Interessante que a ela eu não ensinei a chamar de vovó Vicky
e sim de mãe.
Minha garotinha foi se desenvolvendo
naturalmente. Teve muita dificuldade para andar. Dra. Élida, nossa
fisioterapeuta voluntária, ia toda semana ajudá-la a andar. Passei um dever
para uma das meninas da casa, de ajudá-la nos exercícios
recomendados. Demorou muito além da idade que normalmente as crianças
andam, mas quando começou, ah quando começou! já saiu correndo! E... Como
corre!
Só internou mais uma vez quando teve
catapora, o que é normal para quem é portador. Tem que isolar. Sofreu muito,
pois já era muito apegada a mim. Por isso que eu acho que nunca mais
voltou. Graças a Deus!
Sua mãe apareceu
algumas vezes na instituição, era alta, negra e muito alegre. Morava na rua com
o namorado. Não se tratava e não estava nem aí para os remédios. Faleceu
de câncer! Estive algumas vezes com ela. Sempre me pedia para adotar a
filha, pois ela não podia ficar com a menina.
Final do ano passado recebi
um telefonema que mudou a minha vida! Fomos informados que ela estava
cadastrada para adoção! Entrei em pânico só de pensar que outra família ficaria
com ela. Será que iam saber cuidar dela? E eu saberia viver sem ela? Seria
egoísmo meu?Deixei o amor falar mais alto e me inscrevi para adotá-la.
Desde o início do ano de 2011 ela está comigo. Tenho a guarda provisória e
aguardo ansiosa a definitiva.
Somos grandes amigas,
eu cuido dela e ela de mim. Entendemos-nos pelo olhar. Somos cúmplices! Sofremos
muito preconceito, ela é negra, tem HIV e eu uma idade avançada para ser mãe
dela. Todo dia me beija e diz - mãezinha, obrigada por cuidar de mim! E eu
repondo: Imagina minha filha, eu que agradeço por você fazer parte da minha
vida!
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
Will Smith
Vicky Tavares
Quando ele chegou à instituição estava muito revoltado. Nos primeiros dias chorou muito e não queria amizade com ninguém. Só falava em morar com a avó porque estava com saudade do irmão mais velho que morava com ela. Fui buscá-los numa cidadezinha de Goiás. Tinham sido encontrados pelos vizinhos sozinhos em casa com a mãe morta. Avisaram ao Conselho Tutelar e eles encaminharam para uma instituição religiosa.
A mãe sofrera uma overdose. Dependente química das mais variadas drogas não resistiu deixando 4 filhos, cada um de um pai diferente. A irmã portadora do vírus HIV não estava tendo o tratamento adequado e foi assim que eles foram encaminhados para o Vida Positiva. Em seguida a menina internou com pneumonia, mas com o uso do coquetel no horário britânico ela foi se recuperando e com o tempo estabilizou sua carga viral.
Os irmãos o chamavam de pai e ele assumia muito bem o papel. Tratava-os com amor e muito carinho. Vou chamá-lo de Will Smith pela semelhança física e trejeitos que tinha com o ator americano. Não gostava de estudar, era muito inteligente, mas tinha preguiça de fazer os deveres, não gostava de regras e era totalmente independente. Acredito que foi criado dessa forma, até mesmo pela necessidade de sobrevivência.
Todo dia enfrentávamos dificuldades com nosso Will, batia nos coleguinhas (menos nos irmãos), nas funcionárias e não respeitava nada nem ninguém. Tinha muito carinho por mim e eu por ele. Sempre me pedia para levá-lo para a casa da avó para ficar com o irmão mais velho. Eu ligava insistentemente para a avó para vir visitá-los junto com o irmão, mas não conseguia convencê-la. Ela sempre tinha uma desculpa. Dizia estar com problemas com o marido, que não tinha dinheiro e etc. Oferecemos pagar as passagens, mas mesmo assim apareceu apenas duas vezes.
Cada dia ele ficava mais revoltado.Um dia fui surpreendida com um telefonema desesperado da funcionária da instituição, ele havia feito um escândalo e com uma faca na mão ameaçava tudo e todos. Foi assim que conseguiu com que eu o levasse para passar uns dias com a avó e o irmão. Algumas semanas depois a avó ligou dizendo que ele ia ficar com ela. Fui uma vez visitá-lo e levar alguns mantimentos, mas ele não estava, tinha saído com o irmão.
Depois desse dia nunca mais soube notícias. Mudaram de endereço, de telefone, enfim, sumiram. Os irmãos foram adotados, estão felizes com a nova família. No final do ano de 2011, uma de nossas voluntárias nos deu uma notícia lamentável. Viu Will na Praça do Relógio em Taguatinga totalmente dominado pelo crack, perambulando para um lado e para o outro, desorientado, como zumbi mesmo! Depois o viu novamente rondando a casa onde a instituição funcionava. Hoje deve ter 13 anos. A diferença dele para o ator americano é que um faz o povo rir e ele infelizmente nos fez e faz chorar!
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Shirley
Vicky Tavares
Tinha o cabelo todo enroladinho, olhos graúdos, era bem brejeira, tinha um sorriso permanente estampado no rosto, era muito inteligente e surpreendia com suas frases de efeito. Conheci Shirley quando tinha apenas 5 anos. Portadora do vírus HIV, falava com naturalidade sobre isso. Corajosa, enfrentava qualquer situação.
Tinha pequena estatura e uma família problemática. A mãe se drogava, prostituía-se, roubava e frequentemente ia presa. A avó tinha câncer, usava muletas e reclamava demais dos filhos e da vida. O irmão de 17 anos, quando descobriu que tinha HIV se matou. A mãe de Shirley não se conformava. Sofria demais pela perda do filho. Todo final de semana ia buscar a menina na instituição. Ficávamos na sala horas e horas conversando.
Coitada. Era uma sofredora! Moravam no Recanto das Emas em uma casa que tinha no meio um esgoto a céu aberto, dois quartos de chão batido, assim dormiam e viviam. O fogão era imundo, as panelas destruídas, um horror! Ela juntava latinhas para vender. A filha roubava o dinheiro dela para se drogar e isso a deixava indignada.
Rolava muitas brigas, uma guerra. Shirley era decidida quando via que as coisas estavam feias por lá, logo me dizia- não vou para a casa dela. Vou ficar aqui, se eu for vou ficar na rua porque não agüento briga.
A mãe engravidou e veio outra menininha, o pai e a família dele começaram a lutar pela guarda da menina. Enquanto isso a bebê ficou também sob os nossos cuidados. O pai era bem responsável visitava frequentemente a filha e aproveitava para falar mal da ex e da mãe. Depois de alguns anos a mãe foi buscar Shirley e a bebê e nunca mais voltou.
Meses depois tivemos a notícia que havia falecido. Não se cuidava, não estava nem aí para o coquetel. A mais novinha ficou com o pai e nossa brejeirinha foi para outra instituição, hoje deve estar com 12 anos. Não tive mais noticias dela. Soube que a vovó também faleceu do câncer e que a casa tinha ficado com um dos filhos. São coisas assim que acontecem desse outro lado do rio.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Medo
Vicky Tavares
Portador do vírus HIV tinha grande dificuldade de desenvolvimento. Os 5 anos de Marlon pareciam 3. A mãe já havia entregado a filha mais velha para o pai, que também é portadora do vírus. Resolveu ficar com Marlon porque o pai não o aceitava. Não acreditava que ele fosse filho dele, colocou na cabeça que a mulher o traía. Desconfiava de Joana e a odiava.
Linda, inteligente e educada ela me explicou não ter condições de criar Marlon. Tinha medo que ele morresse, pois era muito fraquinho mesmo. Não falava quase nada, era muito tímido e reservado. Interessante que comia bem e era muito capaz. Nos estudos não nos dava nenhum trabalho e nunca recebíamos reclamações da escola sobre seu comportamento.
Todo final de semana ela ia buscá-lo e trazia aos domingos à noite. Era responsável com o filho. Dava os remédios na hora certa e sempre passava todas as informações do infante. A criança ficou alguns anos na instituição. De vez em quando adoecia, sua saúde era debitada. Sua carga viral não baixava e isso me era preocupante.
Algum tempo depois veio a notícia que Joana estava grávida. Marlon ficou feliz, pois iria ganhar um irmãozinho para brincar nos finais de semana. Ela fez o Pré-Natal certinho. Tomou o coquetel religiosamente, fez parto cesárea e tomou todas as providências para que seu filho (sexo masculino) nascesse sem o vírus. E, deu certo.
Joana era apaixonada pelo pai da criança, mas ele tinha um relacionamento com outra pessoa e por conta disso brigavam muito. Marlon nem mais queria ir os finais de semana. Acho que algumas vezes o pai bateu na mãe.
Depois do nascimento, a criança ficou com Joana. Ela se dedicava muito ao filho menor. Notei que Marlon ficava enciumado. Entristecia-me muito o fato dela colocá-lo para cuidar do bebê. O irmão foi crescendo e cheio de energia dava trabalho demais a todos. Quando ia buscar o filho levava sempre o garotinho que em segundos derrubava tudo na casa. Nosso Marlon ficava correndo atrás dele e era impressionante o amor, a paciência e a dedicação que tinha com o irmãozinho.
Bem, chegou o dia da reintegração familiar. Gostava de ficar na Casa, se despediu de mim com os olhos assustados e cheios de lágrimas. Toda consulta das crianças e adolescentes do Vida Positiva eu acompanho e numa dessas idas perguntei para a médica infectologista se tinha notícias dele. Fiquei sabendo que mudou de Brasília. Ele está em minhas orações. Seu corpo magrinho, franzino, sua voz rouca e seu medo pela vida estarão para sempre em minha memória!
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
O Boneco
Vicky Tavares
A mãe e o pai ambos portadores do vírus HIV, dependentes químicos de todo tipo de droga, viviam presos. Ela e uma amiga roubavam em lojas de departamentos e já eram conhecidas da polícia. Os filhos, duas meninas e um menino ficavam com uma tia. Vinham pela manhã e voltavam à noite para a casa. Tinham grande dificuldade para estudar, principalmente a mais velha. Ficaram dois anos conosco. O primeiro a sair foi o menino de sete anos. Foi morar com o pai em uma de suas saídas da cadeia.
Logo fiquei sabendo que já era "aviãozinho" trabalhando para os traficantes. Era moreno, de olhos bem graúdos, forte e triste. Alguns meses depois já estava pele, osso e se drogava. O crack é uma epidemia que tem crescido muito no Brasil, tem jogado vidas e mais vidas na sarjeta, tem destruído famílias e muitos jovens e crianças têm virado refém do vício.
Eu que sempre vivi do outro lado do rio nunca pensei que isso acontecesse. Uma realidade cruel demais. Difícil de acreditar. A menina mais velha tinha péssimos costumes. Pegava o que não lhe pertencia, mentia com muita facilidade e adorava se insinuar para os meninos. Ficava muito preocupada com ela porque no fundo ela era uma criança. Adorava brincar com bonecas, penteava o cabelo delas e fazia comidinhas nas panelinhas de brinquedo. As duas irmãs eram muito bonitas, altas, louras com olhos bem claros, puxando para o verde e chamavam atenção.
Por conta desse vai e volta das prisões dos pais que a tia resolveu tirar as meninas da instituição. Ana logo se apaixonou por um traficante e foi morar com ele. Em seguida engravidou com apenas 12 anos. Ia brincar com um boneco de verdade. A outra ficou com a tia onde está até hoje!
O pai sempre aparecia para me pedir mantimentos, completamente bêbado e drogado. Tomava todo tipo de medicamentos: gardenal (remédio que age no sistema nervoso central utilizado para prevenir aparecimento de convulsões), beladona (planta medicinal indicada no caso de problemas do sistema nervoso), misturava com bebida alcoólica “para ficar doidão”, dizia. Era um rapaz muito bonito. Com tanta loucura que curtia foi ficando deformado.
Tinha dias que ia para a porta do Vida Positiva me esperar e começava a gritar com os funcionários. Então tomei uma decisão de não ajudá-lo mais. Pedi então que mandasse sua namorada ir pegar as cestas básicas. Depois de algum tempo eles sumiram. Não sei se estão vivos. De Ana tive notícias. Esteve presa várias vezes. Deixou o menino com a família da mãe. Soube que tanto ela quando o irmão perambulam pelas ruas como zumbis, cometendo pequenos furtos para manterem o vício do crack. Quando me lembro deles sinto uma grande tristeza no meu coração.
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