quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Shirley

Vicky Tavares
Tinha o cabelo todo enroladinho, olhos graúdos, era bem brejeira, tinha um sorriso permanente estampado no rosto, era muito inteligente e surpreendia com suas frases de efeito. Conheci Shirley quando tinha apenas 5 anos. Portadora do vírus HIV, falava com naturalidade sobre isso. Corajosa, enfrentava qualquer situação.

Tinha pequena estatura e uma família problemática. A mãe se drogava, prostituía-se, roubava e frequentemente ia presa. A avó tinha câncer, usava muletas e reclamava demais dos filhos e da vida. O irmão de 17 anos, quando descobriu que tinha HIV se matou. A mãe de Shirley não se conformava. Sofria demais pela perda do filho. Todo final de semana ia buscar a menina na instituição. Ficávamos na sala horas e horas conversando.

Coitada. Era uma sofredora! Moravam no Recanto das Emas em uma casa que tinha no meio um esgoto a céu aberto, dois quartos de chão batido, assim dormiam e viviam. O fogão era imundo, as panelas destruídas, um horror! Ela juntava latinhas para vender. A filha roubava o dinheiro dela para se drogar e isso a deixava indignada.

Rolava muitas brigas, uma guerra. Shirley era decidida quando via que as coisas estavam feias por lá, logo me dizia- não vou para a casa dela. Vou ficar aqui, se eu for vou ficar na rua porque não agüento briga.

A mãe engravidou e veio outra menininha, o pai e a família dele começaram a lutar pela guarda da menina. Enquanto isso a bebê ficou também sob os nossos cuidados. O pai era bem responsável visitava frequentemente a filha e aproveitava para falar mal da ex e da mãe. Depois de alguns anos a mãe foi buscar Shirley e a bebê e nunca mais voltou.

Meses depois tivemos a notícia que havia falecido. Não se cuidava, não estava nem aí para o coquetel. A mais novinha ficou com o pai e nossa brejeirinha foi para outra instituição, hoje deve estar com 12 anos. Não tive mais noticias dela. Soube que a vovó também faleceu do câncer e que a casa tinha ficado com um dos filhos. São coisas assim que acontecem desse outro lado do rio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário