Vicky Tavares
Quando ele chegou à instituição estava muito revoltado. Nos primeiros dias chorou muito e não queria amizade com ninguém. Só falava em morar com a avó porque estava com saudade do irmão mais velho que morava com ela. Fui buscá-los numa cidadezinha de Goiás. Tinham sido encontrados pelos vizinhos sozinhos em casa com a mãe morta. Avisaram ao Conselho Tutelar e eles encaminharam para uma instituição religiosa.
A mãe sofrera uma overdose. Dependente química das mais variadas drogas não resistiu deixando 4 filhos, cada um de um pai diferente. A irmã portadora do vírus HIV não estava tendo o tratamento adequado e foi assim que eles foram encaminhados para o Vida Positiva. Em seguida a menina internou com pneumonia, mas com o uso do coquetel no horário britânico ela foi se recuperando e com o tempo estabilizou sua carga viral.
Os irmãos o chamavam de pai e ele assumia muito bem o papel. Tratava-os com amor e muito carinho. Vou chamá-lo de Will Smith pela semelhança física e trejeitos que tinha com o ator americano. Não gostava de estudar, era muito inteligente, mas tinha preguiça de fazer os deveres, não gostava de regras e era totalmente independente. Acredito que foi criado dessa forma, até mesmo pela necessidade de sobrevivência.
Todo dia enfrentávamos dificuldades com nosso Will, batia nos coleguinhas (menos nos irmãos), nas funcionárias e não respeitava nada nem ninguém. Tinha muito carinho por mim e eu por ele. Sempre me pedia para levá-lo para a casa da avó para ficar com o irmão mais velho. Eu ligava insistentemente para a avó para vir visitá-los junto com o irmão, mas não conseguia convencê-la. Ela sempre tinha uma desculpa. Dizia estar com problemas com o marido, que não tinha dinheiro e etc. Oferecemos pagar as passagens, mas mesmo assim apareceu apenas duas vezes.
Cada dia ele ficava mais revoltado.Um dia fui surpreendida com um telefonema desesperado da funcionária da instituição, ele havia feito um escândalo e com uma faca na mão ameaçava tudo e todos. Foi assim que conseguiu com que eu o levasse para passar uns dias com a avó e o irmão. Algumas semanas depois a avó ligou dizendo que ele ia ficar com ela. Fui uma vez visitá-lo e levar alguns mantimentos, mas ele não estava, tinha saído com o irmão.
Depois desse dia nunca mais soube notícias. Mudaram de endereço, de telefone, enfim, sumiram. Os irmãos foram adotados, estão felizes com a nova família. No final do ano de 2011, uma de nossas voluntárias nos deu uma notícia lamentável. Viu Will na Praça do Relógio em Taguatinga totalmente dominado pelo crack, perambulando para um lado e para o outro, desorientado, como zumbi mesmo! Depois o viu novamente rondando a casa onde a instituição funcionava. Hoje deve ter 13 anos. A diferença dele para o ator americano é que um faz o povo rir e ele infelizmente nos fez e faz chorar!
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