terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Sem Saída

Vicky Tavares
Conheci o casal no Vida positiva, quando trouxeram as crianças. Eram quatro irmãos, um deles deficiente físico. Os dois viviam sempre brigando. Eram portadores do vírus HIV. Ele também era diabético, curtia todo tipo de droga, de bebida a crack, era muito agressivo e batia muito na mulher. Ela reclamava, mas não aguentava viver sem ele. Conheceu-o na cadeia e se apaixonou perdidamente.

Os infantes sofriam demais com as agressões sofridas pela mãe. Seu Madruga (assim vou chamá-lo pela grande semelhança com o comediante do seriado Chaves), era eletricista. Fazia bicos onde morava e ganhava um salário mínimo de beneficio. O dinheiro era para comprar  drogas.

A instituição ajudava em tudo para que as crianças não passassem fome. Estavam em regime de abrigamento, mas nos finais de semana iam para casa. Os filhos ficavam muito angustiados, não queriam ir. Agarravam-me pela saia pedindo para ficar. O pai não deixava. Deixei de ir as sexta-feiras à tarde para a Casa. A saída das crianças me cortava o coração. Todos queriam ficar. Algumas vezes conseguíamos que os pais deixassem, outras não.

Um dos meninos era muito apegado a mim. Entristecia-me muito vê-lo sair chorando. A mais velha uma menina de 10 anos na época, era muito adulta para a idade dela. Nestes anos de trabalho social descobri que crianças carentes são mais maduras. O deficiente era muito alegre, sempre cantava e tinha um recém nascido também, que por sinal era lindo!

Fui várias vezes levá-los na casa onde moravam. Eles não tinham higiene nenhuma. Seu Madruga  tomava o coquetel de vez em quando, usava e abusava da saúde. Compramos uma geladeira para eles para que armazenassem a insulina. Sempre o aconselhava a se cuidar. Chamava-me de mãe. Sentia a falta da mãe biológica. Contou-me toda a sua história. Ela havia morrido e deixado ele e o irmão sozinhos no mundo. Não conheceram o pai. Andaram por vários lugares, roubavam para não passar fome, depois passaram a roubar para comprar drogas. Estudaram muito pouco. O irmão morreu assassinado quando ele tinha 25 anos. Seu Madruga casou a primeira vez e teve um filho, que tinha o mesmo nome dele. Depois "encontrou a mulher de sua vida”, - dizia.

Algum tempo depois foi feita a reintegração familiar das crianças e lá se foram os quatro. Infelizmente não deu certo. Ele muito agressivo, por conta das drogas que misturava com os remédios, ficava totalmente descontrolado. Começou a  se insinuar para a filha. A mãe foi lá me contar, então aconselhei que fossem institucionalizados novamente. Pediu para ser a nossa, mas infelizmente não conseguiu mais. Eles me ligavam, choravam pediam para voltar, mas lamentavelmente nada pude fazer.

Um dia toca o telefone e quando atendi era a mãe, chorando muito me contou que o marido havia falecido. Convidou-me para o enterro. Sai na mesma hora e fui para o cemitério de Taguatinga. A família estava desolada, arrasada mesmo. O filho mais velho gritava no chão. Seu Madruga tinha sido assassinado a pedradas. Não pagou a droga que tinha comprado. Os traficantes não perdoaram.

Meses depois fiquei sabendo da morte do filho dele. Também foi assassinado. Mundo cão! Ela correu atrás do beneficio do marido. Comprou uma casa. Conseguiu os filhos de volta. Outro dia vieram me visitar. Contou-me que casou de novo, que não apanha mais e que agora é respeitada. Os filhos são criados do jeito deles. Ficam mais na rua do que em casa. É o retrato do  Brasil. Descaso de todos! 


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