Vicky Tavares
Tem nome de anjo, discreto, educado, muito carinhoso e reconhecido por todos como um doce de criatura. Tem mais dois irmãos menores que são cheios de energia. Dão muito trabalho para todos nós, mas interessante que o "carinho" faz parte da vida deles e são sempre muito amorosos.
Nosso anjinho tem 11 anos, sua mãe portadora do vírus HIIV decidiu morar na rua e ser usuária de crack. Triste escolha! Deixou os filhos com a avó. Depois de algum tempo a avó já não podia mais sustentar os filhos e muito menos os netos. Assim os três meninos foram abrigados. Todo final de semana a avó vinha buscá-los e eles ficavam muito alegres.
Passamos a ajudá-los em tudo! Alimentos, roupas e utensílios domésticos. A instituição tem este compromisso com as famílias das crianças e adolescentes e também com outras (lembrando sempre que tem que ter um portador do vírus HIV). A vovó não tinha condições financeiras de mantê-los, mas sempre foi muito carinhosa com eles. Tinha sempre a responsabilidade de trazê-los aos domingos à noite ou na segunda-feira pela manhã, para que não faltassem ao colégio. Conversava sempre comigo sobre as lutas da vida. Um dia me disse: - “Estou com muita dificuldade de conseguir emprego, sou negra, pobre, analfabeta e estou envelhecendo, aqui no Brasil não tem vez para pessoas assim”. Verdade! Era uma pessoa sábia apesar de todas essas mazelas.
Dei boas risadas com ela, porém um dia sumiu. preocupada liguei para os filhos mais velhos. Fui informada que estava presa porque foi pega com uma lata de merla. Nossa a vovó tinha aprontado. Eles ficaram desolados. Muito tristes mesmo! Os menores passaram a dar muito mais trabalho.
Nosso anjinho não falava nada e só observava. Muitas vezes o vi parado na janela da casa olhando para fora pensativo. Nunca perguntei nada. Sempre respeitei o seu silêncio! Sempre muito calmo, sem falar nada, ele sempre aguentou suas dores com muita dignidade. Isto faz parte do seu temperamento!
Tempos depois apareceu a vovó para a alegria dos netinhos. Então tudo voltou ao normal. Nunca questionei a ela sobre a situação. Não falou e nem eu achei necessário a expor questionando seus atos. Sempre tivemos um grande respeito uma pela outra. É preciso entender as pessoas e aceitá-las como são.
Alguns anos se passaram. Houve várias tentativas de reintegração familiar, mas sempre esbarramos com as condições precárias da família. Ano passado a vovó sumiu de novo, liguei para seus filhos e infelizmente tive a pior de todas as notícias. Ela aderiu ao crack e tinha saído de casa para virar moradora de rua. Foi com grande tristeza que recebi esta notícia.
Muito preocupada fui com a assistente social da instituição fazer uma visita na residência deles. Fomos ver como estava o resto da família. Os rapazes (filhos maiores) estavam empregados. Muito tristes nos relataram o que aconteceu com a mãe. A família estava completamente desestruturada. Eis que de repente a vovó aparece, magra, envelhecida, acabada mesmo! Com aquele cobertor que os moradores de rua usam. Sem higiene nenhuma, descalça, descabelada, olhos bem fundos, uma verdadeira dependente desta maldita droga. Conversei muito com ela, pedi que se internasse para se tratar e disse que todos precisavam dela, pois ela era o alicerce da família. Oramos juntas. Ela prometeu cuidar-se, mas infelizmente não cumpriu. Voltou para as ruas e está lá até hoje.
Eles estão conosco. De vez em quando recebem a visita de um dos tios. Nas férias de meio do ano ficaram uns dias com o resto da família, mas logo voltaram. Como os tios trabalham fiquei receosa de que não estivessem bem cuidados, mas nosso anjinho é muito família, ele tem responsabilidade com todos. Sempre liga para saber como estão e pergunta de um por um. Isto é o que mais me apaixona nele: A importância que dá a família. Mesmo sabendo que estão afastados, ele faz de tudo para manter o vínculo.
No dia de seu aniversário fizemos uma linda festinha para ele e convidamos todos seus amigos e familiares. Foi muito triste vê-lo tão esperançoso pela visita deles. A cada chegada de um convidado seus olhinhos negros pulavam, corria para a porta e infelizmente a família não chegou. Uma grande tristeza invadiu meu coração e o dele. Só sai do Vida positiva depois que o coloquei para dormir.
Ontem foi sua formatura do 5ª Ano, convidamos Samia e Sérgio, casal que o admira muito! Michelle cuidou da produção da roupa, estava de terno preto, camisa branca, sapato e meias pretas, lenço de bolso e gravata verde abacate. Estava um gato! Sua professora quando o viu disse: -“Você está lindo”. Verdade estava mesmo, era o mais bem arrumado da festa. Estava chique.
Quando chamaram seu nome atravessou a pista todo orgulhoso. Um lorde! Com altivez deu um sorriso para nós, cúmplices do seu sucesso! Estava feliz. Á noite me chamou para mostrar que colocou o diploma na porta do guarda-roupa. Com um sorriso (lindo) me abraçou, deu um beijo e disse obrigada vovó Vicky! De nada meu amor!
Nenhum comentário:
Postar um comentário