sábado, 31 de dezembro de 2011

Feliz Ano Novo!

Nós do Vida Positiva desejamos um Ano Novo de grandes transformações. Que possamos ser mais justos com o nosso próximo e sempre que possível atender as  necessidades do menos afortunados. 
  

O amor é o dom supremo. (I Coríntios 13)

            Ainda que eu fale a língua dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei e ainda que  eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará.

O amor é paciente, é benigno, o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal, não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade, tudo sofre, tudo crê,tudo espera, tudo suporta.

O amor jamais acaba, mas, havendo profecias desaparecerão, havendo línguas, cessarão, havendo ciência, passará, porque, em parte, conhecemos e, em parte, profetizamos. Quando, porém, vier  o que é perfeito, então, o que é em parte será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino, quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino.

Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente, então, veremos face a face. Agora, conheço em parte, então conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, porem o maior destes é o amor.

Um Feliz e Maravilhoso Ano Novo. Contamos com você em 2012!


terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Sem Saída

Vicky Tavares
Conheci o casal no Vida positiva, quando trouxeram as crianças. Eram quatro irmãos, um deles deficiente físico. Os dois viviam sempre brigando. Eram portadores do vírus HIV. Ele também era diabético, curtia todo tipo de droga, de bebida a crack, era muito agressivo e batia muito na mulher. Ela reclamava, mas não aguentava viver sem ele. Conheceu-o na cadeia e se apaixonou perdidamente.

Os infantes sofriam demais com as agressões sofridas pela mãe. Seu Madruga (assim vou chamá-lo pela grande semelhança com o comediante do seriado Chaves), era eletricista. Fazia bicos onde morava e ganhava um salário mínimo de beneficio. O dinheiro era para comprar  drogas.

A instituição ajudava em tudo para que as crianças não passassem fome. Estavam em regime de abrigamento, mas nos finais de semana iam para casa. Os filhos ficavam muito angustiados, não queriam ir. Agarravam-me pela saia pedindo para ficar. O pai não deixava. Deixei de ir as sexta-feiras à tarde para a Casa. A saída das crianças me cortava o coração. Todos queriam ficar. Algumas vezes conseguíamos que os pais deixassem, outras não.

Um dos meninos era muito apegado a mim. Entristecia-me muito vê-lo sair chorando. A mais velha uma menina de 10 anos na época, era muito adulta para a idade dela. Nestes anos de trabalho social descobri que crianças carentes são mais maduras. O deficiente era muito alegre, sempre cantava e tinha um recém nascido também, que por sinal era lindo!

Fui várias vezes levá-los na casa onde moravam. Eles não tinham higiene nenhuma. Seu Madruga  tomava o coquetel de vez em quando, usava e abusava da saúde. Compramos uma geladeira para eles para que armazenassem a insulina. Sempre o aconselhava a se cuidar. Chamava-me de mãe. Sentia a falta da mãe biológica. Contou-me toda a sua história. Ela havia morrido e deixado ele e o irmão sozinhos no mundo. Não conheceram o pai. Andaram por vários lugares, roubavam para não passar fome, depois passaram a roubar para comprar drogas. Estudaram muito pouco. O irmão morreu assassinado quando ele tinha 25 anos. Seu Madruga casou a primeira vez e teve um filho, que tinha o mesmo nome dele. Depois "encontrou a mulher de sua vida”, - dizia.

Algum tempo depois foi feita a reintegração familiar das crianças e lá se foram os quatro. Infelizmente não deu certo. Ele muito agressivo, por conta das drogas que misturava com os remédios, ficava totalmente descontrolado. Começou a  se insinuar para a filha. A mãe foi lá me contar, então aconselhei que fossem institucionalizados novamente. Pediu para ser a nossa, mas infelizmente não conseguiu mais. Eles me ligavam, choravam pediam para voltar, mas lamentavelmente nada pude fazer.

Um dia toca o telefone e quando atendi era a mãe, chorando muito me contou que o marido havia falecido. Convidou-me para o enterro. Sai na mesma hora e fui para o cemitério de Taguatinga. A família estava desolada, arrasada mesmo. O filho mais velho gritava no chão. Seu Madruga tinha sido assassinado a pedradas. Não pagou a droga que tinha comprado. Os traficantes não perdoaram.

Meses depois fiquei sabendo da morte do filho dele. Também foi assassinado. Mundo cão! Ela correu atrás do beneficio do marido. Comprou uma casa. Conseguiu os filhos de volta. Outro dia vieram me visitar. Contou-me que casou de novo, que não apanha mais e que agora é respeitada. Os filhos são criados do jeito deles. Ficam mais na rua do que em casa. É o retrato do  Brasil. Descaso de todos! 


quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O Formando de 2011

Vicky Tavares
Tem nome de anjo, discreto, educado, muito carinhoso e reconhecido por todos como um doce de criatura. Tem mais dois irmãos menores que são cheios de energia. Dão muito trabalho para todos nós, mas interessante que o "carinho" faz parte da vida deles e são sempre muito amorosos.

Nosso anjinho tem 11 anos, sua mãe portadora do vírus HIIV decidiu morar na rua e ser usuária de crack. Triste escolha! Deixou os filhos com a avó. Depois de algum tempo a avó já não podia mais sustentar os filhos e muito menos os netos. Assim os três meninos foram abrigados. Todo final de semana a avó vinha buscá-los e eles ficavam muito alegres.

Passamos a ajudá-los em tudo! Alimentos, roupas e utensílios domésticos. A instituição tem este compromisso com as famílias das crianças e adolescentes e também com outras (lembrando sempre que tem que ter um portador do vírus HIV). A vovó não tinha condições financeiras de mantê-los, mas sempre foi muito carinhosa com eles. Tinha sempre a responsabilidade de trazê-los  aos domingos à noite ou na segunda-feira pela manhã, para que não faltassem ao colégio. Conversava sempre comigo sobre as lutas da vida. Um dia me disse: - “Estou com muita dificuldade de conseguir emprego, sou negra, pobre, analfabeta e estou envelhecendo, aqui no Brasil não tem vez para pessoas assim”. Verdade! Era uma pessoa sábia apesar de todas essas mazelas.

Dei boas risadas com ela, porém um dia sumiu. preocupada liguei para os filhos mais velhos. Fui informada que estava presa porque foi pega com uma lata de merla. Nossa a vovó tinha aprontado. Eles ficaram desolados. Muito tristes mesmo! Os menores passaram a dar muito mais trabalho.

Nosso anjinho não falava nada e só observava. Muitas vezes o vi parado na janela da casa olhando para fora pensativo. Nunca perguntei nada. Sempre respeitei o seu silêncio! Sempre muito calmo, sem falar nada, ele sempre aguentou suas dores com muita dignidade. Isto faz parte do seu temperamento!

Tempos depois apareceu a vovó para a alegria dos netinhos. Então tudo voltou ao normal. Nunca questionei a ela sobre a situação. Não falou e nem eu achei necessário a expor questionando seus atos. Sempre tivemos um grande respeito uma pela outra. É preciso entender as pessoas e aceitá-las como são.

Alguns anos se passaram. Houve várias tentativas de reintegração familiar, mas sempre esbarramos com as condições precárias da família. Ano passado a vovó sumiu de novo, liguei para seus filhos e infelizmente tive a pior de todas as notícias. Ela aderiu ao crack e tinha saído de casa para virar moradora de rua. Foi com grande tristeza que recebi esta notícia.

Muito preocupada fui com a assistente social da instituição fazer uma visita na residência deles. Fomos ver como estava o resto da família. Os rapazes (filhos maiores) estavam empregados. Muito tristes nos relataram o que aconteceu com a mãe. A família estava completamente desestruturada. Eis que de repente a vovó aparece, magra, envelhecida, acabada mesmo! Com aquele cobertor que os moradores de rua usam. Sem higiene nenhuma, descalça, descabelada, olhos bem fundos, uma verdadeira dependente desta maldita droga. Conversei muito com ela, pedi que se internasse para se tratar e disse que todos precisavam dela, pois ela era o alicerce da família. Oramos juntas. Ela prometeu  cuidar-se, mas infelizmente não cumpriu. Voltou para as ruas e está lá até hoje.

Eles estão conosco. De vez em quando recebem a visita de um dos tios. Nas férias de meio do ano ficaram uns dias com o resto da família, mas logo voltaram. Como os tios trabalham fiquei receosa de que não estivessem bem cuidados, mas nosso anjinho é muito família, ele tem responsabilidade com todos. Sempre liga para saber como estão e pergunta de um por um. Isto é o que mais me apaixona nele: A importância que dá a família. Mesmo sabendo que estão afastados, ele faz de tudo para manter o vínculo.

 No dia de seu aniversário fizemos uma linda festinha para ele e convidamos todos seus amigos e familiares. Foi muito triste vê-lo tão esperançoso pela visita deles. A cada chegada de um convidado seus olhinhos negros pulavam, corria para a porta e infelizmente a família não chegou. Uma grande tristeza invadiu meu coração e o dele. Só sai do Vida positiva depois que o coloquei para dormir.

Ontem foi sua formatura do 5ª Ano, convidamos Samia e Sérgio, casal que o admira muito! Michelle cuidou da produção da roupa, estava de terno preto, camisa branca, sapato e meias pretas, lenço de bolso e gravata verde abacate. Estava um gato! Sua professora quando o viu disse: -“Você está lindo”. Verdade estava mesmo, era o mais bem arrumado da festa. Estava chique.

Quando chamaram seu nome atravessou a pista todo orgulhoso. Um lorde! Com altivez deu um sorriso para nós, cúmplices do seu sucesso! Estava feliz. Á noite me chamou para mostrar que colocou o diploma na porta do guarda-roupa. Com um sorriso (lindo) me abraçou, deu um beijo e disse obrigada vovó Vicky! De nada meu amor!



terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Um Milagre de Adoção

Vicky Tavares
Eram moradores de rua, o pai, a mãe e eles. Os pais dependentes químicos de merla, crack, e thinner. O casal tinha HIV e não se tratava. Um dia a ficha da mãe caiu e ela preferiu procurar um lugar para que cuidassem dos filhos, não aguentava mais  vê-los sofrer. O pai não concordou muito com a ida deles para a instituição, mas aceitou com a condição de pegá-los todo final de semana.

Um era saudável o outro tinha cirrose, não se sabe como ele adquiriu, diziam até que eles davam bebida para as crianças. Chegaram com poucos meses de nascidos. Subnutridos, sujos e mal cuidados. Não foi muito difícil a adaptação deles. Logo se familiarizaram com a casa.

No Vida Positiva de Taguatinga, tínhamos um quarto grande só para os bebes. Lá eles foram bem recebidos e não reclamavam de nada. Dormiam no horário certo, tomavam banho e mamavam. Estavam felizes e sem o frio das ruas. Aquecidos com mantas e com muito carinho por parte de todos. Eles foram crescendo. Que alegria foi ver os primeiros passinhos, as primeiras palavras e a alegria deles.

Os pais tinham sumido. Um belo dia voltaram e começaram a exigir que eles passassem o final de semana juntos. Preocupada, não deixei. O pai nervoso começou a me fazer uma série de ameaças. Resolvi atender o seu pedido. Permiti mesmo contrariada. Iam na sexta-feira à noite e voltavam no domingo. Passei a observar que quando voltavam vinham mais morenos, queimados do sol.

Não demorou muito fiquei sabendo que os pais levavam os meninos para o semáforo. O que tinha cirrose tinha a barriga muito grande, o pai levantava a camisa dele e contava sobre a doença pedindo esmolas. As pessoas compadecidas davam dinheiro e eles compravam as drogas. Fiz imediatamente um relatório comunicando o fato e assim o Juiz suspendeu as saídas de final de semana e também as visitas. Infelizmente os pais ficaram sabendo.

Era próximo do Natal, o portão da casa estava aberto. Tomei um grande susto quando vi João com um revolver na mão colocando na minha testa. Foram momentos de tensão e desespero. Chorava, berrava e dizia que ia levar os filhos na marra. Foi então que Deus me deu o discernimento de conversar com ele, de explicar que  a instituição era melhor para eles. Falei também do amor. Que o verdadeiro amor renúncia para a felicidade do outro. E foi assim que depois de algumas horas ele foi se acalmando. Chorou muito e nunca mais voltou. Meses depois fiquei sabendo de sua morte.

            As crianças foram colocadas para adoção. Logo apareceu um casal. Na sua primeira visita percebi que era uma adoção abençoada por Deus, um era a cara do homem  e o outro da mulher. Pareciam que se conheciam já de muito tempo. As conversas fluíam naturalmente e eles se identificaram com o casal com muita naturalidade. Começou então o estágio de convivência. Os olhinhos brilhavam quando o casal, que já tinham uma filha, os buscavam. Confesso que às vezes ficava com ciúmes, mas os pais adotivos também me davam muito carinho, amor e compreendiam a minha situação. Todos nós nos entendíamos.

Chegou então o dia da partida, também estávamos na época de Natal. Tínhamos na sala uma linda árvore, imensa e cheia de “balagadans” natalinos. Os dois corriam felizes ao redor dela, aguardando a chegada dos pais. Eu também estava feliz. Senti a falta deles na ceia de Natal, mas eles estavam para sempre dentro do meu coração. Isso é o que  importava.

O casal sempre os trazem para nos visitar. Eles estão lindos, bem cuidados. O milagre  aconteceu! O que tinha cirrose estava na fila de espera para o transplante, mas com o tratamento superou o problema e não precisará mais operar. Mas se precisasse já tinha uma doadora do pedaço de fígado. A mãe adotiva era compatível. Quem disse que não existem milagres?

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Um Lugar Reservado no Céu

Vicky Tavares
Foi à mãe que o levou para a Instituição para que ele tivesse um atendimento melhor. Sua carga viral era alta e precisava de tratamento adequado, tomar remédios em horário britânico e ter uma alimentação balanceada. Ela ouviu falar da Vida Positiva e trouxe o menino que na ocasião tinha sete anos.

Tímido, pouco falava. Trazia-o bem cedinho e pegava já no final do dia, depois de alimentado e devidamente medicado. A família veio do Maranhão. Ela havia se casado novamente. O casal também tinha o vírus HIV. Moisés (assim vou chamá-lo), não teve dificuldades em se adaptar. Logo ganhou peso e já começava a ficar sorridente. Estudioso, fazia os deveres sem precisar mandar.

Moravam em Val Paraíso. Naquela época o Vida Positiva estava em Taguatinga. Nos primeiros meses ficou fácil porque ainda não tinha começado a chover. Depois, começou a ficar difícil trazer Moisés. Então aconselhei a mãe a ir aos órgãos legais e pedir autorização para o acolhimento. Foi feita a solicitação, mas infelizmente por questões burocráticas o processo demorou demais.

Ela foi cansando da luta diária e um dia me procurou para dizer que não aguentava mais. Era longe, além de que a mãe também andava bastante debilitada por conta do Vírus. Fiquei muito triste e Moisés também. Ficamos abraçados durante muito tempo chorando, até que ele saiu da casa soluçando. Liguei várias vezes para o celular dela (o único contato que tínhamos), mas não conseguia falar com eles.

Passado dois meses ela e o marido me visitaram, me informando que iriam morar no Maranhão, já que não conseguiam o acolhimento da criança. Perguntei pelo menino e ela me informou que estava bem. Pedi um telefone para falar com Moisés, eles disseram que não tinham. Pedi que ele me ligasse porque estávamos com saudades. Quando saíram comentei com a funcionária ao meu lado: “Que pena, aqui ele estava tão bem. Sinto muito em vê-lo partir”.

Alguns meses se passaram, recebi um telefonema da Polícia para que eu comparecesse para  depor sobre Moisés. Muito assustada corri para a DCA - Delegacia da Criança e do Adolescente. O agente então começou a me fazer perguntas: Quanto tempo ele ficou na instituição? Por que saiu? Em que época ficou lá? Entre aquele monte de papéis, a solicitação de acolhimento era um deles.

Expliquei tudo o que aconteceu que infelizmente ele não havia sido acolhido. Até que recebi uma das piores notícias da minha vida, fiquei chocada com o que ouvi do policial. A mãe e o padrasto haviam matado Moisés a pauladas e jogado o corpo da criança em um poço. Os vizinhos sentindo o mau cheiro chamaram a polícia.

Os pais confessaram o crime. Na tarde que ela nos visitou já tinha cometido este ato horroroso. Foi um dos piores dias que tive. Saí da Polícia, em estado de choque. Entrei no carro em prantos. Como pode? O que leva uma mãe a fazer isso? Não estou aqui neste mundo para julgar ninguém, mas durante muito tempo  fiquei revoltada.

Há poucos dias, arrumando a pasta de certidões de nascimento vi a cópia da dele. Abracei-me a ela e chorei de soluçar. Quando levantei a cabeça, olhei para o céu, e pensando nele  tive a sensação de ver um anjo passando.