quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Preconceito, doença da alma

Vicky Tavares
Infectado com HIV por transmissão vertical (mãe para filho), chegou ao abrigo muito pequeno e com muitas dores no ouvido. Em sua casa dormia em chão batido e sem cama e sem colchão. A friagem causou uma otite aguda e crônica. Por muito tempo tratamos do ouvido, mas infelizmente vai ter que operar porque perfurou os tímpanos. Já está com uma significativa perda de audição. Fizemos os exames e estamos aguardando pela cirurgia.

Veio acompanhado do irmão mais velho, que o orienta e protege. Seu irmão é corredor de rua, já ganhou várias medalhas e está na lista dos corredores de elite. O irmão é um jovem tranquilo que não me dá trabalho, tímido e bastante reservado, ao contrário dele que é super alegre e brincalhão.

Ele adora desenhar plantas de residências, sente falta da mãe já falecida, tanto é que sempre está arrumando uma mulher para chamar de mãe. Um dia desses nos assustou, teve que ser internado com uma crise de apendicite e operar. No hospital era todo sorrisos. Sempre está de bem com a vida! 

O pai também portador tem a saúde bastante debilitada, um homem de 1.86m que já chegou a pesar 35 kg. Visita sempre os filhos. Existe muito afeto entre eles.

Vivemos várias situações constrangedoras. Uma delas foi quando fazia tratamento com uma psicóloga. Fomos chamados  com urgência. Quando lá chegamos encontramos ele sentado, com a mão direita coberta por um saco plástico. A psicóloga pedia que  o retirássemos imediatamente porque estava com o dedo machucado. Era apenas uma bolinha de sangue pisado... Ficamos perplexos com a atitude dela! Lógico que ele nunca mais voltou naquele lugar. Ficou muito triste, e várias vezes o vi chorando. Conversei bastante com ele e expliquei que essas pessoas são doentes, mais doentes que qualquer outro.

Sempre foi tratado com discriminação, o preconceito o persegue. Seus dentes eram desalinhados, orelha grande e um barrigão que chamava atenção. Hoje usa aparelho para corrigir os dentes, faz musculação, e o barrigão, virou um tanquinho.

Uma vez quando brincava com uma colega de classe o pai da jovem viu e começou a bater nele, pedindo que nunca mais brincasse com a filha dele! Fui chamada na escola, saí de lá chorando, revoltada. Viemos abraçados sem dar uma palavra. Resolvi denunciar, mas quando estava saindo da instituição ele me chamou e disse- Vó Vicky, não faça isso! Deixa pra lá. Já orei por ele e Deus colocou no meu coração o perdão.

Acompanho seu crescimento com grande alegria, está bastante desenvolvido, não só fisicamente, mas com uma alma grande, muito grande!

4 comentários:

  1. A inocência de uma criança é realmente impagável, são elas que nos mostram o quanto a vida vale a pena, são grandes ensinamentos a cada dia que elas nos transmitem. A maturidade nos deixam frágeis e nossa injeção de ânimo vem do vigor de uma vida jovem. Atitude discriminatória de certos seres desprezíveis, só nos fortalecem...

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  2. Não sei se é quem estou pensando, mas me deu um aperto no peito. Ainda que eu não o conhecesse, seria uma tristeza sem fim saber que alguém passou por isso. Fica pior quando você suspeita que é um menino tão doce, tão simpático, tão querido mesmo.

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  3. Deus os escolheu para fazer história.
    O fato de ser soro positivo, mostra o quanto são especiais a cada dia que passa com a força e segurança num Deus tão poderoso que multiplica a nossas vidas, vcs existem para nos provar o quanto Deus nos ama, mesmo sem contrair ou contraindo o tal írus HIV. DEUS É BOOOOoOM E AGRADEÇO A CADA UM DA VIDA POSITIVA POR SER INSTRUMENTO NAS MÃOS DE DEUS.

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  4. Leio várias vezes suas histórias ..mostro pra todos que conheço...Passa um tempo leio novamente e me emociono sempre. È bom saber que esse menino do conto é um garoto super legal e sorridente, cercado de carinho e atenção. É bom visitar a casa e ver a vida de todos ..o quanto são atenciosos e carinhosos.!! São vidas intensas!!!!

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