quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Amor Ágape

Vicky Tavares
A menina da crônica é uma pessoa muito especial para mim! Quando a conheci ela estava muito debilitada, sua aparência era a pior possível. Pesava 9 kg e tinha nove anos. Fiquei muito assustada porque ela era bastante frágil. Sua pele era toda manchada, haviam muitas feridas externas e internas. Era muito fechada, não sorria, não conversava e as perguntas que eu fazia ficavam sempre no ar. Não queria viver, absolutamente não queria!

Eu estava fazendo um trabalho voluntário em uma instituição de crianças com HIV quando ouvi falar nela. Ela tinha saído da mesma porque  a situação estava grave. Enfim, ninguém mais queria cuidar. Fui com a assistente social da casa visitá-la na residência da  avó materna. Fiquei chocada com o descaso da família. A avó estava cheia de mágoas. Já havia perdido a filha (mãe da menina) e não queria saber de mais nada. A criança tinha um quarto escuro com uma esponja no chão para deitar. Isolada de tudo e de todos. Ali esperava a morte, que a sondava de dia e de noite com doenças oportunistas.

Os olhos grandes nem se voltaram para nós, estava de cabeça baixa e assim ficou durante nossa reunião. Dia seguinte fui buscá-la contra a sua vontade. Lançava olhares de ódio sobre mim. Mas, veio. Mal comia, mal bebia. Assim começou nosso relacionamento. Ela me odiando e eu aprendendo a amá-la. Amar os que nos odeiam, exercício de crescimento! Na instituição dei ordens para fazer comidinhas especiais para ela, mas ela não estava nem aí. A cada dia que passava me odiava mais e eu amava mais aquela garotinha que estava me ensinando coisas que eu desconhecia do amor. Amor ágape foi este amor que ela me ensinou e o qual eu serei grata a ela pelo resto da minha vida. Comecei a comer no prato que ela comia, beber no copo que ela bebia e passei a observar que isto me aproximava dela.

Em todas as internações fiz questão de estar presente. Comprei um celular para ela, para que nós duas pudéssemos nos comunicar. Então, ela começou a falar comigo! Como fiquei feliz no dia que ela me ligou do hospital e disse, “Vó Vicky, traz pão de queijo para mim!”. Á partir deste dia nossa relação começou a mudar. Ela começou a sorrir e passou a confiar em mim. Começou a melhorar. As doenças oportunistas deram uma trégua.

Um dia estávamos na sala da instituição quando ela chegou ardendo em febre, bastante debilitada (O HIV tem dessas, de repente ele permite que as doenças oportunistas, tipo pneumonia, entrem com uma força descomunal, a ponto de derrubar a pessoa em minutos). Fiquei apavorada e imediatamente liguei para o infectologista dela, Dra. Tereza, e comuniquei o acontecido. Imediatamente ela mandou interná-la. Foi a pior crise dela. A médica me comunicou  que havia a possibilidade dela ter que perder um pulmão. Foi um dos piores dias de minha vida. Estava no escritório e assim que tive a notícia me ajoelhei e disse para Deus, “Senhor troca a minha vida pela dela. Já vivi muito e ela está começando agora. Por favor, meu Deus não permita que ela morra!”. Na minha cabeça só passava o pavor. Imaginem uma menina tão debilitada portadora do vírus só com um pulmão. Mínimas seriam as chances de sobrevivência. Chorei muito diante de Deus pedindo um socorro. E como sempre Ele respondeu. Pela manhã a médica me ligou dizendo que fizeram a radiografia antes de operarem e o pulmão que estava todo comprometido estava limpinho! Depois dessa internação não houve outras.

Ela passou a se alimentar muito bem, a tomar seus remedinhos com precisão, a estudar e a se maquiar. Ah! Como ficou vaidosa, a ter vontade de viver, de me amar e de amar outros também. Está com 18 anos agora. Não conseguimos nos separar. Já não tem mais idade para ficar na instituição, mas está lá como colaboradora. Estamos unidas pelo resto de nossas vidas, pelo amor, que é um dom sublime!

2 comentários:

  1. Tem como não chorar lendo este relato?

    ResponderExcluir
  2. Muito Obrigado pelo Carinho! Contamos com você na divulgação do blog.. Beijos Sorosolidários.

    ResponderExcluir