quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Remédios que curam o preconceito contra a AIDS

 Marina Sophia


Em 1996, eu tinha três anos de idade. Naquele período estava doente, debilitada e perdendo peso. Todos achavam que tinha câncer. Uma tia me levou ao médico, foram feitos vários exames e um deles comprovou que estava com vírus HIV. Logo após a descoberta, começaram as internações que duraram até os 14 anos.


As minhas lembranças da infância estão ligadas à solidão dos quartos de hospitais. Não conhecia detalhes da minha doença. Apenas parecia que definhava, os cabelos caíam e estava cada vez mais magra. Nessa fase tinha aversão a espelhos. A minha imagem era uma mistura de tristeza e angústia. Temia ver a sombra da morte que se aproximava.


Acho que todo o medo era fruto do preconceito da minha família. O desconhecimento sobre a doença fez com que me isolassem, não deixando que brincasse com meus primos, separando e marcando o meu copo, prato e talheres. Toda essa segregação fazia do quarto, mais uma vez, o meu único refúgio.


Na casa dos meus avós, utilizei o mesmo dormitório em que minha mãe havia permanecido antes de morrer com o vírus da aids. Fui a única dos quatro irmãos que contraiu o HIV. Cheguei a sentir raiva da minha mãe, mas ela se foi há 14 anos e hoje sei que também sofreu com o preconceito que é, sem dúvida, a pior doença, pois provoca feridas na alma.


Até os 10 anos de idade, alternei a minha estadia entre a casa dos meus avós e os hospitais. Depois desse período, a minha família me entregou para uma instituição que cuidava de portadores do vírus HIV, alegando que tomar conta de mim era algo trabalhoso. Essa experiência de rejeição fez com que eu perdesse a confiança nas pessoas que me cercavam. Esse quadro começou a mudar, quando conheci uma voluntária, a Vovó Vicky, que me ajudou a ver um outro lado da vida: a aceitação de quem sou eu. Há mais de três anos essa voluntária criou a Vida Positiva e hoje faço parte de uma grande família que convive com crianças e jovens soropositivos.


O meu lar é diferente do de outras instituições pelas quais passei, pois todos se aceitam e se respeitam. Temos as nossas discussões como qualquer família, mas logo fazemos as pazes. Somos unidos e cuidamos uns dos outros.


Hoje o espelho não é mais o vilão. Pelo contrário, adoro me arrumar, usar maquiagem e cuidar do meu cabelo. Acho que sou uma garota vaidosa. Gosto de acessar a internet, ir ao cinema e conversar com as colegas da escola. Fico feliz quando recebo a visita da minha irmã e das minhas primas. É bom manter o vínculo com familiares que me amam como sou.


A última vez em que estive internada, há alguns anos, os médicos acharam que eu não sobreviveria, pois os meus pulmões quase não funcionavam, contudo me foi dada uma segunda vida que agarrei com todas as forças. Por enquanto só posso afirmar que a maior das minhas vitórias é olhar para as pessoas sem medo e, sobretudo, olhar para mim mesma e ver que sou capaz, amada e feliz.


*Nome fictício.


Esta crônica venceu o concurso "Vidas em Crônica" do Ministério da Saúde voltada para jovens de 15 a 30 anos. No dia 1º de dezembro de 2010, Marina Sophia foi recebida com festa no Palácio do Itamaraty e na oportunidade emocionou todos os presentes, inclusive o Presidente Lula.

Um comentário:

  1. Que os anjos (tenham eles asas ou não) continuem abençoando e protegendo meninas como você, Marina Sophia. Nesta caminhada, muitas perguntas ficam sem respostas. Mas quem disse que toda pergunta tem uma resposta? Saiba que seu espaço neste mundo é único, e só você pode ocupá-lo. Não se preocupe com o resto: a sua missão é só sua! Força, fé (e um pouco de sorte, que não faz mal a ninguém!) :)

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